Depois de ter sido derrotado nas eleições de 4 de Outubro de 2015, António Costa, sem ter tido a honestidade elementar de durante a campanha eleitoral o anunciar como possibilidade, decide escapar-se à sua própria morte política e formar o “governo da geringonça“, um governo formado pelo Partido Socialista, mas apoiado no Parlamento pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda.
Na verdade, a instigação para este governo inédito também partiu do Partido Comunista, juntamente com o grego, o único partido estalinista pró-soviético après la lettreque resta na Europa, e o Bloco de Esquerda, uma amálgama que reúne a extrema-esquerda trotskista e pós-moderna.
Se António Costa apenas queria algo que preservasse a sua carreira política pessoal, os comunistas estavam desesperados por impedir um novo mandato do governo de centro direita que salvara o País da bancarrota socialista e o pusera no caminho da recuperação desde 2013, evitando contra todas as expectativas uma ruptura social e um colapso nacional como o que houve na Grécia.
Algumas das reformas estruturais feitas pelo governo de centro direita, e que continuariam no novo mandato, comprometiam seriamente a manutenção da influência do Partido Comunista. Por exemplo, as subconcessões de exploração a privados na área dos transportes metropolitanos assustava mortalmente os comunistas porque retirariam eficácia à sua máquina sindical que depende muito do controlo dos transportes na capital portuguesa.
Já o Bloco de Esquerda, depois do sucesso eleitoral do SYRIZA na Grécia e os avanços importantes do Podemos em Espanha, julgou ser essa a sua grande oportunidade para aceder ao poder do Estado e consolidar a sua base eleitoral, sempre precária, com a estabilização de uma clientela. Tudo seria preferível à continuação do governo do PSD/CDS. E assim foi.
O governo da “geringonça” assenta numa fraude – a de que é possível enganar toda a gente para sempre. Costa, nos primeiros dois anos do governo, posou como uma “figura de esquerda” em diálogo romântico com o PCP e o BE, declarando como obsoleta toda a história política do PS desde a ruptura com os comunistas em 1974.
Na verdade, Costa não tem a cultura política, nem a cultura económica, nem a cultura literária, para ter partido de uma posição dita de princípio sobre a matéria. Seguiu cegamente o que as circunstâncias lhe ditaram.
E (quase) todos os moderados do PS se converteram subitamente às supostas virtudes de um esquerdismo mal pensado mas que se afirmava muito orgulhosamente vivo. Importante foi também a lição interiorizada pelo núcleo duro socialista: a de que falência dos partidos socialistas pela Europa fora, como o PASOK na Grécia ou o PSF de Hollande, se devera a compromissos com a “moderação” política.
As mentiras e as fraudes políticas perpetradas para servir a justificação da nova interpretação das coisas foram diárias, porque era preciso operar o contraste com o suposto “radicalismo ideológico” do governo anterior – com efeito, a cola mais duradoura da experiência da “geringonça”.
O primeiro ano do governo foi um desastre a vários títulos.
Depois da campanha de “reversões”, isto é, desfazer alguns elementos importantes das reformas do governo anterior, em particular os que ameaçavam a posição política dos 3 partidos, e do abrandamento da economia, a incompetência e o modo obscuro, suspeito e autoritário de governação estavam a conduzir o governo a impasse seríssimo.
Esse impasse só foi resolvido pela aceleração da recuperação económica na Europa e no mundo como um todo. O que salvou o governo da “geringonça” foi a circunstância totalmente alheia aos seus esforços de Portugal ter sido arrastado pela recuperação espanhola, europeia e mundial.
Falar-se de um “milagre económico” é uma farsa dificilmente compreensível, até porque já temos números suficientes para perceber que durante a actual fase muito positiva do ciclo económico europeu, Portugal cresce menos do que a grande maioria dos restantes países e sobretudo do que aqueles com que Portugal normalmente se compara.
Mas a experiência da “geringonça” não seria possível com estes efeitos fora do contexto português. Por uma razão muito simples: este é um governo que precisa para sobreviver cada dia de doses massivas de propaganda e de desinformação, impossível sem a colaboração de uma parte significativa do aparelho oligárquico e mediático.
É preciso perceber que o Partido Socialista exerce um poder de penetração além do democrático na sociedade portuguesa que lhe permitiu alimentar desde 1995 a prática de um governo de “dominação”.
Permitiu inclusivamente alimentar a ideia difusa de que, no fundo, é o único partido que pode governar, deixando para curtos intervalos motivados por episódios de desastres nas finanças públicas, o acesso ao poder pelo outro partido, o PSD, que deve ser despejado o quanto antes afim de se retomar a “normalidade”.
Um exemplo demonstrativo: em nenhum outro país da Europa, o governo socialista de 2015 poderia ter exactamente o mesmo núcleo duro do governo socialista de 2005 a 2011, que não só conduzira o País a uma estagnação económica anómala no contexto mundial, não só levara a uma pré-bancarrota que forçou o pedido de auxílio à Troika, como esteve envolvido através do próprio Primeiro-Ministro José Sócrates no maior escândalo de corrupção da história da democracia portuguesa, e que levou à destruição do maior banco privado nacional, o BES, e à maior empresa nacional, a PT.
Exactamente os mesmos protagonistas do maior desastre político do Portugal da era constitucional democrática lideram o governo desde final de 2015, sem qualquer penalização política, perante a cumplicidade de todos, menos da oposição de centro-direita. Isto seria impensável em qualquer outro país europeu. Mas em Portugal é a pura e simples retoma da “normalidade”.
O governo da “geringonça” entregou alguns sectores aos projectos ideológicos da extrema-esquerda, como na educação.
Satisfez os desejos de “reacção” ao governo anterior nos temas nevrálgicos para as suas novas alianças: desmanchar privatizações– com prejuízo gigantesco para o Estado e para o País, como denunciou ainda a propósito da operação verdadeiramente sinistra que foi feita para complicar a privatização da companhia aérea TAP –, ou fazer avançar as agendas de subversão do tecido familiar e social nos temas habituais de “costumes” e “género”.
Retomou integralmente o modo socialista de governar pela divisão do país em grupos que podem ser convertidos em “clientes”, pela intimidação dos que não alinham docilmente, pelo controlo abusivo da propaganda e da informação.
No Parlamento, PCP e BE protestam contra as medidas que eles próprios aprovam, como, por exemplo, o corte mais radical no investimento público que houve em democracia (é preciso recuar até à década de 50 para encontrar um paralelo!), ou o colapso iminente do Serviço Nacional de Saúde.
O PS sabe que a única ameaça só poderá vir de uma crise das finanças públicas. Por isso, tudo faz para cumprir as metas impostas por Bruxelas demonizadas como invenções “neoliberais”, mesmo que seja à custa da fraude das “cativações” que tornam a execução do Orçamento do Estado um exercício consideravelmente diferente do que foi efectivamente aprovado pelo Parlamento.
A lista das contradições e dos impasses arrastar-se-ia indefinidamente.
O governo da “geringonça” não conseguiu resolver nenhum problema da sociedade portuguesa. E está a criar muitos outros. Não tem outro programa que não o ódio à direita política.
Não tem resultados para mostrar do que resulta da sua própria acção. Apenas propaganda e o apoio ostensivo de uma Comissão Europeia que gere os interesses partidários de alguns dos seus membros.
A miséria política e intelectual do centro-esquerda europeu, e não méritos intrínsecos, explica melhor o entusiasmo acéfalo com que a experiência da “geringonça” tem gerado noutros países europeus. Vivemos tempos de grande desorientação intelectual – diagnóstico extensível à direita políitca.
E, no contexto específico português, esse é o caldo cultural sem o qual a “geringonça” jamais subsistiria.
(Miguel Morgado)
O PS levou o país três vezes à bancarrota : 1977, Governo PS, intervenção do FMI. | 1983, Governo PS, intervenção do FMI. | 2011, Governo PS, intervenção do FMI.